segunda-feira, 8 de maio de 2017

Uma infâcia com brinquedos...


UMA INFÂNCIA COM BRINQUEDOS...
Cristina Maria Rosa

Na Semana Mundial do Brincar, que ocorre entre 21 a 28 de maio, inventei uma pesquisa informal, sobre o brinquedo predileto de cada um. A consulta – uma brincadeira com pessoas entre seis e setenta e nove anos via rede – foi inspirada no tema: “O Brincar que Encanta o Lugar”. Ao finalizar o tempo destinado à pesquisa, 123 pessoas haviam retornado, contando alguns dos segredos de suas infâncias. Preciosos, os “brinquedos prediletos” foram mencionados por algumas crianças, mas, preponderantemente, por adultos.

Brinquedo predileto
O brinquedo citado como preferido por trinta e duas pessoas foi “boneca”. Isso corresponde a 26% do total de respostas e elas foram enviadas por meninas e mulheres. Muitas enviaram a foto da boneca que ainda guardam, outras mencionaram seus nomes (Mimadinha, Neneca, Lúcia, Ana), o material do que eram feitas (de retalhos, porcelana, louça, massa, papel, pano, plástico) e o que havia nesses brinquedos que as encantavam: algumas choravam, outras comiam, abriam e fechavam os olhos ou eram perfumadas. Na pesquisa, comprovei que para o grupo ouvido, as bonecas foram importantes companhias de parte considerável das meninas, mas não da maioria.
A bola foi mencionada como brinquedo predileto por seis pessoas e ter ou brincar com bichos de pelúcia por outras seis. Brincar de bicicleta e com casinha de boneca, indicadas como predileta por quatro pessoas cada. Ocorreu empate entre as vezes que carrinhos, panelinhas, bolinhas de gude, esconde-esconde e videogames foram lembrados como prediletos: três pessoas cada.
Ler (livros e gibis), ouvir música (discos) ou brincar de escola ou com “coisas de escola” foi citado por nove adultos como brinquedo predileto. Brinquedos com controle remoto (moto, avião), quebra-cabeça, carrinho de lomba ou rolimã e brincar ou jogar “sapata” foram citados duas vezes cada. Três pessoas disseram que seus brinquedos foram tantos que não sabem escolher um predileto.
As demais brincadeiras foram citadas uma vez cada, entre elas, fazer teatro com os irmãos, jogar amarelinha, “pense bem”, Três Marias, taco, bilboquê, bola ao pé, “Cai-não-cai”. Mas alguns lembraram como passatempo predileto andar à cavalo, de patins, triciclo ou roller, com “pé de lata” ou pular elástico.
Não faltou entre as brincadeira preferidas soltar pandorga, brincar com bonecas de papel e suas roupas e com brinquedos de encaixar. Alguns mencionaram invenções como brincar com uma tampa de panela e um saco de plástico na cabeça. Outros, disseram gostar de água-play, de girafa de plástico, de dinossauros, caixa registradora, liquidificador. E tem uma professora que um dia foi babá e disse: “Lembro de assistir ao filme “Rei Leão” mil vezes, e chorar sempre, com o menino que amei cuidar”.
Duas informantes que moravam no campo quando crianças mencionaram fazer "casinha no mato", brincar de fazenda com os ossinhos e com boneca de pano vestidas com roupas de bebê, “pois minha mãe teve quatorze filhos e sempre havia alguma touca cheia de ‘frufus’ para brincar”. Um jovem respondeu mandando uma foto de seus índios de plástico.
Um pedacinho de infância nos depoimentos:
Algumas pessoas não se furtaram a sonhar ao rememorar seus brinquedos. Mandaram um depoimento por escrito ou em mensagem de voz, que muito me alegrou. Desse modo, a pesquisa ganhou ares de “coisa séria” e percebi que brincar é importante para muita gente. Leia, a seguir, alguns dos depoimentos que recebi.
“Tenho minha boneca Mimadinha há 40 anos. Ganhei dá minha avó quando tinha 7 anos. Está velhinha, mas não deixo ela por nada...”
 “Tive dois brinquedos prediletos: um macaco de pelúcia que tomava mamadeira, que foi presente de Natal. Meu pai me levou em uma loja que tinha um andar inteiro de brinquedos e eu podia escolher o que quisesse, inclusive uma boneca. Quando vi o "Tico", não quis outro presente. Eu tinha 7 anos e ainda tenho ele comigo passados 37 anos.  O outro, um jogo de panelas de plástico onde cada panela tinha um rosto. A de arroz, a cara de um chinês.  Tinha fogão e também um bule. As panelas eram coloridas. Eu escolhi no dia das crianças.  Meu pai queria me dar panelas de verdade em tamanho pequeno,  mas eu queria aquelas. No dia das crianças, minha irmã maior brincou comigo.  Colocamos arroz e feijão nas panelas e fizemos de conta que cozinhávamos. Também fizemos suco. Por muitos anos brinquei com essas panelas que depois dei pra uma prima, quando cresci.
“Meus prediletos eram aranhas, sapos, lagartixas, cobras de plástico e cachorros de verdade”.
“Meu brinquedo predileto foi um carrinho. Era um fusca verde, tão pequeno que cabia na minha mão. Eu sempre quis ter um carrinho, mas era menina e não podia. No meu aniversário de 8 anos, ganhei do meu tio. Só para zoar comigo, mas tenho ele guardado até hoje! Da mesma forma, quando tinha um quadro e meu sonho era ganhar uma caixinha de giz. Tenho esta caixa com apagador até hoje, usei no meu estágio. Foi incrível essa magia. Sempre gostei de brincar de ser professora e hoje sou uma professora muito feliz”.
“Bonecas. Tive quatro em toda a minha infância. A Ana Lúcia que era grande e as gêmeas, que eram duas bonecas iguais. Todas com rosto de porcelana e cujos olhos abriam e fechavam e um boneco grande que eu chamava Janjão. Ele, várias vezes foi consertado, pois minhas amigas enfiavam os dedos nos olhos e eles iam para dentro”.
“Meu predileto foi um pequeno urso. Quando eu dava corda, ele andava, pois tinha rodinhas embaixo do pé e tocava musiquinha”.
“Meu brinquedo preferido foi um boneco. Eu não brincava com ele. Só estava lá e na minha imaginação, era meu filho”.
“Minha brincadeira predileta eram as casas de bonecas que fazíamos dentro de revistas. Recortávamos gravuras: moças, rapazes, salas, cozinhas, quartos, banheiros, roupas... Colocávamos cada uma numa folha de revista, que era a casa da boneca e, assim, tínhamos várias casas de bonecas. Foi um dos primeiros livros artesanais da minha infância. Sou de 1957. Revista Manchete, Cruzeiro...”.
“Minha predileta foi uma boneca de pano, negrinha, com cabelos cor de rosa que minha mãe fez. Ela carregava seu bebê na barriga, tinha uma abertura que se podia simular um parto e ainda possuía seios para amamentar”.
“Meu brinquedo predileto foi uma tampa de panela e um saco plástico na cabeça. Isso ocorreu por causa do Senna, eu brincava de ser o Airton Senna sempre. Até hoje me dá um nó na garganta quando vejo o acidente”.
“Meu brinquedo predileto foi o patins, fazia manobras radicais!”
“Meu predileto foi boneca e bolinha de gude. Cresci numa família que considerava brinquedo igual a objeto desnecessário”.
“Gostava muito de brincar com bichos de plástico montando fazendinhas e depois de certa idade, brincava de escola, onde eu sempre era professor”.
Um depoimento gravado
Alguns dias depois de realizar a pesquisa pelo celular, encontrei uma das pessoas que havia recebido a mensagem indagando a respeito de seu brinquedo predileto.
Depois do abraço, referiu-se à pesquisa, dizendo que não havia respondido. Instei-a a, junto com uma cunhada que a visitava, a falar, As duas, então, riram e animadas pela minha curiosidade, se puseram a rememorar. Animadas, falando quase ao mesmo tempo, ia se complementando. Percebendo que as histórias eram interessantes e que bem mais que a menção a um brinquedo predileto iria ser conhecido, solicitei que gravássemos a conversa que, depois, em casa, transcrevi:

“Brincávamos com casinha de torrão, quincha de santa fé. Fazia uma casinha no mato, fazia comida de panelinha, um foguinho de chão. O teto era com macega e capim Santa fé; o ponto em cima com agulha, de arame e imbira, tira de imbira, dava o ponto em cima para segurar a quincha. E tinha o gado do campo: as ovelhas, que eram ossinhos das canelas das ovelhas, o touro, a ovelha, o carneiro, a vaca que dava leite, o terneirinho... Durante a sesta do pai e da mãe, dos meus cinco aos doze, treze anos, quando comecei a namorar, eu brincava de fazendinha, de boneca, de casinha no mato. As bonecas eram de pano, paninhos enroladinhos. Minha mãe era costureira, nós pegávamos os retalhos e enrolávamos o corpo das bonecas, fazíamos os bracinhos com paninhos mais fininhos, as perninhas com paninhos mais grossinhos. Pegávamos as roupas das crianças – minha mãe teve 14 filhos, sempre tinha roupas de criança pequena, aquelas toquinhas cheias de frufru... Era muita boneca: as mães, avós, filhas, tias. E tinha os noivos. Posso gravar isso? Os bonecos homens tinham uns tiquinhos. Nós éramos espertas, sim. Fazíamos o casamento: noivavam, casavam, namoravam, tudo! Quando era para ter filho, botávamos uma barriga postiça, nas bonecas, depois nascia a criança”.


Embora informal, a pesquisa indicou memória longeva da infância de muitos e presença, ainda na vida adulta, de alguns desses brinquedos. Saudade, emoção e memória caracterizaram os relatos, repletos de singeleza. Agradeço a todos que responderam e que partilharam suas lembranças.

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Alfabeteando...

Um "Alfabeto à parte" foi criado em setembro de 2008 e tem como objetivo discutir a leitura e a literatura na escola. Nele disponibilizo o que penso, estudos sobre documentos raros e meus contos, além de uma lista do que gosto de ler. Alguns momentos importantes estão aqui. 2013 – Publicação dos estudos sobre o Abecedário Ilustrado Meu ABC, de Erico Verissimo, publicado pelas Oficinas Gráficas da Livraria do Globo em 1936; 2015 – Inauguração da Sala de Leitura Erico Verissimo, na FaE/UFPel; 2016 – Restauro e ambientação da Biblioteca na Escola Fernando Treptow, inaugurada em 25 de novembro; 2017 – Escrita da Biografia literária de João Bez Batti, a partir de relatos pessoais. Bilíngue – português e italiano – tornou-se um E-Book; 2018 – Feira do Livro com Anna Claudia Ramos (http://annaclaudiaramos.com.br/). 2019 – Produção de Íris e a Beterraba, um livro digital ilustrado por crianças; 2020 – Produção de Uma quarentena de Receitas, um livro criado para comemorar a vida; 2021 – Ruas Rosas e Um abraço e um chá, duas produções com a UNAPI; 2022 – Inicio de Pesquisa de Pós-Doutorado em acervos universitários. Foco: Há livros literários para crianças que abordem o ECA? 2023 – Tragicamente obsoletos: Publicação de um catálogo com livros para a infância.

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