quarta-feira, 14 de junho de 2017

O que são "Coisas de Mulher"?

Autora: Cristina Maria Rosa

Instigada por uma leitura que me foi apresentada recentemente e por uma expressão – coisas de mulher – que moveu Nadiéjda Krúpskaia a escrever um pequeno texto, decidi perguntar a meu grupo de contatos online o que são “coisas de mulher”.
Para Krúpskaia (1909-1910), “coisas de mulher” eram os trabalhos considerados “exclusivamente femininos”, como “costurar, cozinhar, lavar, cuidar de crianças”. Além disso, no artigo escrito no início do século XX, circunscreve os “pequenos cuidados” que se relacionavam com a “concretização de afazeres domésticos isolados” como “cozinhar o almoço, limpar a casa, remendar o uniforme, educar os filhos”, tarefas, que segundo seu modo de pensar, “merecem todo o respeito e de forma alguma, desprezo”.
Uma de suas críticas foi dirigia à imprensa que, de acordo com Nadiéjda, atribuía, exclusivamente à mulher, o trabalho doméstico. O argumento utilizado, então era de que o “lar” e a “vida familiar” era a “esfera” que melhor correspondia à “individualidade da mulher”. Assim, recomendava que a mulher deveria se preocupar em ser um “dona de casa exemplar”.
Para Krúpskaia (1909-1910), é evidente a hipocrisia contida nessa argumentação. Ela é enfática ao considerar que os homens “jamais se rebaixam a realizar o trabalho doméstico”, pois, “no fundo de sua alma”, consideram-no “coisa de seres menos evoluídos, possuidores de necessidades mais simplórias”.
Século XXI
Passados mais de 100 anos desse tempo em que Nadiéjda Krúpskaia denuncia, o que pensam mulheres e homens? O que seriam “coisas de mulher” em 2017? Se há “coisas de mulher” o que seriam estas “coisas” para quem é criança, jovem, estuda, trabalha, cria filhos e netos em plena “sociedade do desempenho” (HAN, 1959)?
Sem discriminação de gênero nem idade, enviei a pergunta a todo o meu grupo de contatos via WhatsApp. As respostas foram surpreendentes. A única ressalva na comunicação dos resultados foi indicar a opinião dos homens ao final.
Agradeço a todas as pessoas (familiares, amigos, alunas, colegas) que contribuíram. Com as palavras de todos vocês pude compor um mosaico muito interessante do que são “coisas de mulher”.
“Coisas de mulher”
Oscilando entre características culturais, comportamentais e biológicas e citando afazeres e trabalho em casa e na sociedade, as mulheres que responderam à pergunta refletiram a partir de si mesmas e do que observam a seu redor. Para elas, não há consenso na expressão “coisas de mulher” e um grupo considerável afirmou que não há essa distinção ou, ainda, que “não existem coisas específicas de mulher”, pois “a mulher pode tudo”. Algumas afirmaram que a expressão está em desuso, que não cabe mais em tempos com tantas demandas.  
“A única marca que carregamos em comum – todas nós mulheres – é a força interior que nos faz enfrentar toda e qualquer situação imposta pela vida”.
 “Absorventes, com certeza!”.
“Acho que a maternidade seja a única coisa que realmente ainda pode ser atribuída exclusivamente às mulheres”.
“Acho que envolve desde maquiagem a ciclo menstrual”.
“Acho que tem coisas que a mulher faz melhor. Mais delicada, com mais paciência”.
“Acredito que essa frase nos dias de hoje não exista mais. A mulherada está tão independente que coisas tipo shopping, cabeleireiro, manicure, são feitas por homens também, sem preconceito algum! Não existe mais isso de "coisas de mulher”, “coisas de homem”.
“Acredito que seriam certas roupas, maquiagem, mas têm coisas de mulher que homens usam e não vejo problema nisso!”.
“Acredito que tenha muito a ver com o tipo da mulher. Para algumas, pode ser um batom, unhas e cabelos bem arrumados. Para outras, uma tarde reunida com as amigas para bater um papinho gostoso, dar risadas e até chorar. Mas, no fundo, acredito ser um pouco de tudo isso”.
“Adoro essas perguntas! São coisas que mulheres fazem, gostam, usam de modo geral. O que elas quiserem!”.
 “Amorosidade no olhar, capacidade de colocar o outro no mesmo grau de importância de si mesmo e batom!”.
“Antigamente a carreira artística não era coisa para mulheres. Havia imenso preconceito e as mesmas eram tratadas como prostitutas. Hoje, as mulheres tem ampla aceitação e destaque e os homens tem liberdade de criação artística, desempenhando papéis de mulheres com naturalidade”.
“Aquelas com toques delicados, feitos com amor, suaves e apaixonantes, sem ter algo determinado ou listado do que é ou não é, mas tudo aquilo que a mulher toca deixa sua marca”.                   
“Batons, esmaltes, depilações, cólicas, sabedoria, paciência, coragem e muito mais...”.
“Boa pergunta. Ontem eu estava vendo novela. Nela, a personagem da atriz Maria Cândida dizendo que o neto ia jogar futebol, andar de skate... A outra atriz, que faz o papel de Ivana, perguntou: E se ele quiser brincar de boneca? – Não, isso é coisa de menina, ela respondeu. Eu, aqui em casa, vivo isso. Minha sogra tem 66 anos e acha que nós, mulheres, temos obrigação de cozinhar, lavar, passar, arrumar a casa. Se pedir algo para meu namorido, escuto: Isso é a tarefa da mulher...”.
“Cabe a uma mulher aquilo que ela decidiu seguir”.
“Coisas de mulher... Em se tratando de coisas materiais, tudo que uma mulher julgar que pertença ou que lhe pertença”.
“Coisas de mulher... Tudo é coisa de mulher. A gente é responsável por tanta coisa - inclusive pelo que não devia ser: a sociedade impõe "coisas de mulheres". O que são mulheres? Coisa de mulher é nascer, é crescer, é aprender, é desenvolver, é viver. E é cuidar, educar, pensar, se preocupar. Coisa de mulher é lutar, é conquistar espaço, é estudar, é aguentar, é "se virar". “Coisa de mulher” são vários verbos, porém, também são vários sentimentos. É alegria, sabedoria, força. É amor. Também é preocupação. Às vezes, também, é medo. E é resistência. Coisa de mulher é resistência”.
“Como definir quando as mulheres desempenham tantos papéis e se utilizam de tantas coisas? Vi minha mãe dirigir um fusca e fazê-lo de Topic, levando minhas amigas e eu para escola. Vi minha tia arar a terra e ordenhar vacas, fazendo desses afazeres seu sustento. Vi minha irmã pegar seu aluno no colo, ofertar a ele acalanto e segurança. Vi minha amiga posar para fotos com suas botas e bolsas, fazendo marketing de sua loja. Por fim, me vi empurrando o carrinho de minha filha e mostrando a cidade para ela. As coisas de mulher são atitudes. Sentimentos feitos, ação de quem batalha, trabalha, acolhe, se vira e ensina. Ama, encara, deixa pra lá e corre atrás. Cada cabeça uma sentença, cada mulher um arsenal de coisas que coleciona para ajudar a ser a melhor versão de si e desempenhar a função que desejar exercer”.
“Cuidar da casa, marido, filhos, trabalhar”.
“Dar à luz, parir, ter contigo a vida! A melhor coisa do mundo! Ou, como dizia Guimarães Rosa, “um menino nasceu, o mundo tornou a começar". Então, o melhor de ser mulher é tornar à potência de tornar a começar”.
“Depende do que se refere a “coisas”. Se objetos, diria que absorvente pode ser dito como objeto exclusivo de mulher e me refiro ao comum, não o interno, pois este pode ser utilizado por homem se ele assim entender usar. Se for em sentido anatômico, o útero e a geração de um filho é próprio de mulher, por enquanto. E no geral, nada mais pode ser dito que é “coisa de mulher”. Tudo é passivo para os dois gêneros. Respondi?”.
“Difícil dizer o que são coisas de mulher. Vou refletir um pouco sobre...”.
“É qualquer coisa que ela queira, mas sempre envolvida por delicadeza e sensibilidade”.
“É tudo que ela deseja, quando essa mulher tem uma formação familiar e intelectual. Devo citar?”.
“É tudo que tem de bom no mundo!”.
“É um rótulo que a sociedade colocou para diferenciar dos homens. Para sustentar o machismo”.
“É uma definição taxativa daquilo que somente serve para mulher e não serve para o homem, isto é, objetos femininos, mas com carga negativa de superficial: conversas entre amigas pejorativamente apontadas como fúteis. Não sei se nos últimos tempos tenho visto essas definições um pouco com amargura, mas me parece que o mundo tem apontado para essa direção, ao menos, e delimitando, o meu mundo”.
“É uma expressão de machismo. Quando os homens querem justificar determinadas atitudes femininas que eles não compreendem – ir ao banheiro com outras mulheres, por exemplo – as definem como gestos típicos e exclusivos ao mundo feminino”.
“Em se tratando de coisas materiais, tudo que uma mulher julgar que pertença ou que lhe pertença. Pelo lado fisiológico e emocional, sorrir e abraçar a todos como se nada tivesse acontecido, depois de brigar com Deus e o mundo, durante uma TPM. Somente a mulher para agir desta forma, um homem jamais entenderá (e sentirá) o que é isso.
“Entendo que são assuntos e atitudes de interesse do sexo/gênero feminino, como, por exemplo, maquiagem. No geral, mulheres, gays, transgêneros e afins que tem interesse por usar ou pesquisar sobre o assunto”.
“Estávamos falando agora mesmo sobre isto, que meninos, desde pequenos, ganham brinquedos que estimulam a ter uma profissão. A menina é cuidar da boneca, panelinha, ferro, tudo para ser dona de casa”.
“Estou viajando com minha mãe e ela respondeu que “coisas de mulher” é TPM! Eu acho que coisas de mulher é o olhar de ternura que temos sobre tudo...”.
“Êta perguntinha complexa! Penso que é tudo que uma mulher puder fazer sozinha para alcançar o que quer, independente do espaço em que estiver. Eu me nego discutir o que uma mulher pode ou não! Porque cada uma pode coisas diferentes e em muitas coisas homens e mulheres se complementam, ao invés de serem concorrentes...”.
“Eu não sei te dizer em uma única frase o que são “coisas de mulher”.
“Eu, como mulher, digo que é o conjunto de objetos, comportamentos e modos de pensar que fazem parte da nossa personalidade. Embora hoje esse universo não seja mais restrito ao que a sociedade entendia como feminino, já que hoje tudo pode ser coisa de mulher, desde panelas à bola de futebol ou chorar vendo uma novela e praticar uma arte marcial”.
“Fiz a pergunta para minha filha, de dez anos e ela disse que não há coisas de meninas ou meninos, o que importa é o que a pessoa gosta de fazer. Meninas podem querer brincar de futebol e meninos de boneca”.
“Me dá um tempo...”.
“Muitas vezes, duas ou mais mulheres conversam sobre gravidez, menstruação e segredinhos. Vem um xereta e pergunta qual o assunto. Elas, sendo tímidas ou reservadas, para despistar, respondem: Coisas de Mulher!”.
“Mulher é muito detalhista naquilo que faz, às vezes busca a perfeição e, ao dar seu toque feminino, se diz: isso é coisa de mulher!”.
“Mulher Maravilha. Se eu pudesse girar a cintura de 58 cm de Lynda Carter... Mulheres queimaram o sutiã, o que não foi uma má ideia, afinal, é mais uma prisão que aperta e dói! Lógico que havia muito mais sobre misoginia do pequeno recorte que farei naquele grande protesto. No entanto, viramos escravas com M maiúsculo, chegam a ser quatro jornadas diárias, além das várias faces que temos que assumir, trabalhar fora, cuidar da casa, estudar, dar atenção de qualidade aos filhos e ao marido. Ser competente profissional, exímia dona de casa, mãe exemplar, companheira, amante, esposa. Sem falar nos cuidados estéticos, unhas bem feitas, cabelos arrumados e maquiagem. Escravas da sociedade, do botox e de inúmeros procedimentos estéticos na tentativa de disfarçar a alma que envelhece triste enquanto corremos atrás de tudo ao mesmo tempo o tempo todo... quer saber? Devolve meu sutiã!”.
“Mulheres amam os filhos, gostam de jantar em um bom restaurante, regado a bom vinho. Gostam de ir ao banheiro juntas, de ir ao shopping fazer compras. Principalmente, comprar sapatos. Gostam de batom, cílios grandes, enfim, de serem elegantes. E de outra infinidade de coisas. Afinal, somos lindas, de um jeito ou de outro. Não achas?”.
“Na infância, brinquedos panela, fogão, boneca. Tarefas ensinadas pelas mães como cozinhar, limpar a casa, bordar, fazer tricô, crochê”. Com o avanço das tecnologias, essas “coisas de mulher” foram sendo desmistificadas. Com a inclusão social advinda das ações afirmativas e a divulgação dos esportes, como fator não só de competição, as mulheres passaram a se envolver no universo masculino, sendo jogadores de futebol, vôlei, basquete, pilotos de carro, lutadoras...”
“Não existem coisas específicas de mulher, pois a mulher pode tudo. Mas, o mais importante e exclusivo que é da mulher, é o poder de gerar a vida!”.
“Objetos, acessórios e atitudes que a sociedade impõe e que só mulheres fazem”.
“Os apetrechos que nos deixam preparadas e confiantes todos os dias?”.
“Outro lugar que mulheres ocupam com destaque é o setor das comunicações, das redes de computadores, encontrando-se mulheres "nerds"...
“Para mim, é tudo aquilo que me deixa feliz. Exemplo: eu gosto de tênis esportivo masculino, para mim, isso é “coisa de mulher”.
“Para mim, não existe "coisa"de mulher e nem de homem. Tudo é de todos sem designações de cores ou tarefas... ”.
“Para mim, não existem coisas de mulher. Tudo é para quem quiser. Costumam dizer que é coisa de mulher desde as tarefas domésticas, cuidar dos filhos, até chorar ou usar rosa. Aquilo que para a sociedade não tem importância ou que traz "fragilidade e feminilidade". Para mim, se fosse pra ser dito o que é coisa de mulher, eu diria que é ser forte, ser guerreira, ser corajosa. É enfrentar todos os dias uma sociedade que só nos diminui. Ser mulher é lutar todos os dias pelo nosso espaço no mundo”.
“Pelo lado fisiológico e emocional, sorrir e abraçar a todos como se nada tivesse acontecido, depois de brigar com Deus e o mundo, durante uma TPM. Somente a mulher para agir desta forma, um homem jamais entenderá (e sentirá) o que é isso”.
“Penso que não existe "coisa de mulher", pois nós conseguimos nos encaixar e desdobrar para tudo! Talvez não tenhamos a prática dominada de algo, mas damos um jeitinho de logo conquistar”.
“Penso que uma das características das mulheres é a palavra. As mulheres têm esse dom de comunicação exacerbado. E é um poder e tanto, diga-se de passagem. Resultado disso são as conversas femininas, seja para falar sobre moda, tempo, romances, desafetos, filhos...”.
“Pode ser algo com conotação depreciativa ao se referir às obrigações que foram estrategicamente imputadas às mulheres, como cuidar da casa, dos filhos, marido, entre outras. Além das necessidades emocionais não satisfeitas que, às vezes, acabam sendo vistas como "chiliques" ou "coisas de mulher"! Essa foi uma das várias respostas que eu posso te dar!”.
“Pode ser o que tem dentro de sua bolsa, mas, em geral, é aquilo que cabe a uma mulher de acordo com o que ela é”.
“Podem ser doces ou amargas, delicadas ou pesadas, cor-de-rosa ou azuis”.
“São aquelas que nós conquistamos, pois queremos e sonhamos, e, acima de tudo, temos capacidade para isso, pois os obstáculos impostos por uma sociedade só podem ser vencidos se quisermos e lutarmos para conquistar espaço e desconstruir algumas ideias enraizadas”.
“São as coisas que a mulher escolhe ter/fazer/conquistar. Seja no emprego, na roupa, na casa, nas relações, em tudo”.
“São atividades e comportamentos atribuídos socialmente e culturalmente para o universo feminino. Estas atividades rotuladas ‘femininas’, geralmente são conceituadas como frágeis ou fúteis”.
“São meras construções sociais e culturais. Referem-se às expectativas que uma determinada sociedade, em um dado tempo histórico/social e cultural, estabelece para pessoas que nascem com a genitália ‘feminina’".
“São tantas coisas que tive que pensar: Fazer as compras da feira, ir ao médico levar filho...”.
“São tantas coisas. Podem ser coisas de homem também, porque não? É também é muito pessoal, particular de cada uma. Têm mulheres que adoram estar sempre maquiadas, já outras não; há mulheres que adoram futebol, que pensam em ter várias maquiagens, sapatos, bolsas, vestidos ao mesmo tempo que pensam em carros, jogar bola, beber cerveja com as amigas... Isto é só uma parte de coisas de mulher, que pode ser muitas coisas”.
“Segredos! Magia! Força! Vigor! Talvez sejam características. E objetos seriam echarpes, chapéus, luvas, brincos, sapatos, cremes, batons, esmaltes, bicicleta, carro...”.
“Sempre difícil de responder, porque hoje não há mais essa divisão: coisas a fazer são igualmente divididas (em tese), coisas de sentir (conheço muitos homens tão sensíveis quanto, ou até mais)”.
“Ser capaz de coordenar e fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Isso reflete exatamente meu momento...”.
“Ser mãe, amamentar, maquiagem, ter menos força física, gerar um ser, conseguir realizar múltiplas tarefas”.
“Sexto sentido, sensibilidade aflorada”.
“Têm a ver com liberdade, pois as mulheres são o que quiserem ser”.
“Tem relação direta com o cuidar mais criterioso. Com o florir e perfumar o dia. Dar todo o frescor necessário a vida”.
“Todas as coisas do mundo. Deste e de outros, também...”.
“Tudo o que a mulher quiser indiscriminadamente”.
“Tudo que faz a mulher feliz! Por exemplo, eu amo futebol...”.
 “Tudo que uma pessoa é capaz de fazer.  A mulher passa a impressão de fragilidade, mas somos guerreiras, com um toque de suavidade”.
“Um jeito especial de ser e de fazer”.
“Uma das primeiras profissões admitidas para as mulheres era o magistério e a enfermagem. Mas isso há muito caiu e temos mulheres em diversos campos, inclusive na aviação, salvo aquelas consideradas perigosas ou insalubres”.

“Vou tentar, não é fácil. Acredito que é um padrão de comportamento que desde menina é imposto pela sociedade. Estou me referindo à forte competição entre as mulheres. Nós nos vemos como competidoras e não como aliadas. E é apenas na vida adulta que nós percebemos que isso não é verdade”.


E os homens?
O que são “coisas de mulher” para os homens que responderam à pesquisa? No universo perguntado, um grupo considerável de homens. Nem todos, no entanto, responderam. Os quatorze aventureiros se encontram aqui. Ele têm de quinze a 68 anos e não se furtaram a dar suas opiniões, nem tão diferentes das mencionadas pelas mulheres. As respostas foram:
“Eu acho que coisa de mulher é só menstruação, perdão pela palavra. O resto pode ser feito por homem e mulher. Não tem descriminação”.
“Firulas. Brincadeira. Coisa de mulher é tudo que elas quiserem, afinal elas dominam o mundo, coisa de mulher é espaço de desejo, de carinho, de mudança de alteridade”.
“Aprendi essa resposta esta semana. A resposta é: o que ela quiser que seja!”.
“Pergunta difícil. Diria que coisas de mulheres são as relativas ao corpo feminino, que são determinadas pela biologia...”.
“Depois te respondo, está bem?”
“Não sei, afinal, coisas não têm gênero”.
“Pergunta difícil essa”.
“Pergunta difícil!”.
“Creio não ser a pessoa mais indicada, mas diria que tudo pode ser "coisa de mulher". É uma convenção cultural de tudo que foi atribuído, significado como tal. Então, tudo pode ser "coisa de mulher".
“São todas as atividades para as quais a mulher tenha interesse, sem nichos exclusivos para a masculinidade”.
“Batons, esmaltes, depilações, cólicas, sabedoria, paciência, coragem e muito mais...”.
“São as coisas que tem a ver com a "sensibilidade aplicada", ligadas aos sentidos e as emoções mais simples”.
“Tens de pedir à elas, eu só sei o que é “coisas de homens”...

A revolução das Mulheres
Com tradução de Priscila Marques, o texto Deve-se ensinar “coisas de mulher” aos meninos? foi elaborado por Nadiéjda Krúskaia. Integra a obra A revolução das Mulheres, organizado por Graziela Schneider e publicado pela Boitempo (2017).
Na quarta capa, em texto assinado por Wendy Goldman, o leitor é convidado a se defrontar com uma antologia de artigos, ensaios, atas e panfletos “provocativos” escritos por “radicais pensadoras” e “ativistas” no início do século XX. O intuito é provocar insights próprios.
Ao realizar a pesquisa, de modo informal e em apenas três dias, colhi muitos insights. Pretendo, ao partilhar os resultados, ser fiel aos depoentes e dar voz a quem nunca, de vez em quando ou sempre, pensa em “coisas de mulheres”.
Mulher: identidade relacional e histórica?
Observando um dos escritos de Deepika Bahri intitulado Feminismo e/no Pós-Colonialismo (Estudos Feministas, Florianópolis, 2013), no qual a pesquisadora discorre sobre a relação entre feminismo e pós-colonialismo a partir de conceitos-chave, percebo que a ninguém cabe “falar” e mesmo “escutar” pelo outro.
No artigo a autora evidencia as principais categorias conceituais – representação, mulher do primeiro mundo, essencialismo e identidade – encontradas em debates e discussões nas perspectivas feministas dentro dos estudos literários pós-coloniais e revela, ao observar esses conceitos na obra de várias pensadoras, o “esforço dos estudos feministas pós-coloniais para estabelecerem a identidade como relacional e histórica em vez de essencial ou fixa, enquanto mantêm o gênero como uma categoria significativa de análise.
Declaro que não há, neste pequeno exercício de opinião, nenhuma intenção de “falar” pelo outro, “representar” o outro. Penso que, “inerentemente interdisciplinar”, o feminismo observa, estuda, “examina os relacionamentos entre homens e mulheres” além das “consequências dos diferenciais de poder para a situação econômica, social e cultural das mulheres (e dos homens) em diferentes lugares e períodos da história” (BAHRI, 2013). Desse modo, este ensaio não é um estudo e, sim, uma voz. Melhor, é um exercício de escuta de muitas vozes.

Textos citados:
BAHRI, Deepika. Feminismo e/no Pós-Colonialismo. Revista Estudos Feministas, Nº 21(2): 659-688, maio-agosto/2013. Florianópolis, SC, 2013. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2013000200018
HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. In: GIANOTTI, Carlos Alberto. O cansaço das demandas. ZH PROA, 17 E 18 DE JUNHO DE 2017.
KRÚSKAIA, Nadiéjda. Deve-se ensinar “coisas de mulher” aos meninos? In: SCHNEIDER, Graziela. A revolução das Mulheres. São Paulo: Boitempo, 2017.

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Quintal ao Lado: leitura e exposição

Cristina Maria Rosa

Escrito em 2016, Quintal ao Lado é uma narrativa poética da escritora Cristina Maria Rosa. Para a narrativa e como presente à autora, foram compostas cinco ilustrações com diferentes técnicas: lápis de cor, têmpera e giz de cera sobre sulfite, todas pela Helena Xavier.
O gênero – a narrativa poética – foi escolhido pela temática: um lamento pelo fim dos quintais nas casas em que já não há crianças e balanços. Depois de ilustrado, o escrito transformou-se em livro digital.
Narrativa poética
A narrativa poética é uma especialidade de Mario Quintana. Como leitora do poeta gaúcho, Cristina inspirou-se em Sapato Florido, e escolheu nele uma pérola para ilustrar o gênero:

A Princesa
Quando lhe perguntaram o nome, Lili espantou-se muito:
Ué! Mas todo mundo sabe...

Na Quinta, dia 08/06, à tardinha (18horas e 30 minutos), ocorre a leitura pública do livro digital "Quintal ao Lado". Será na Sala de Leitura Érico Verissimo. Concomitante, os originais desenhos da Helena Xavier estarão em exposição. Foram eles que inspiraram a transformação do escrito em livro digital.

Apareça!

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Repertório literário de bebês: como produzir...



Cristina Maria Rosa

Bebês possuem repertório literário?
Se sim, como podemos ampliá-lo?
Se não, como podemos inserir nosso bebês em práticas de leitura literária?
A quem cabe esta tarefa? Pais? Profesoras? Cuidadoras? Avós? Irmãos mais velhos? 
Evidências...
Há evidências observáveis em comportamentos espontâneos de bebês com os livros que integram seu “repertório literário”. Embora pareça cedo mencionar repertório quando se trata de um bebê, as atitudes deste em relação aos livros indicam se já foi apresentado ou não a práticas culturais nas quais o livro é protagonista.
O que observei, em pesquisa que venho desenvolvendo com bebês entre zero etrês anos desde 2015, é que há gestos, ritos, modos de ter contato com o livro mesmo quando o bebê indistingue o artefato cultural de qualquer outro objeto. Esses modos de manipular o objeto independem de sua idade cronológica e revelam o quanto familiarizado o bebê está com livros e modos de ler.
Em muitos casos, o bebê confunde o livro com um objeto qualquer, como um chocalho, bola ou uma boneca, por exemplo. E inicia sua exploração com os saberes que têm. O primeiro gesto que observei foi tocar e bater sobre o livro. Ele busca sentir as dimensões do objeto.
Logo depois, o bebê está em busca de um modo de pegar e aproximar o livro de si e da boca – fonte conhecida de sensações. Após bater, tocar, pegar a aproximar, o bebê leva o livro à boca, evidenciando que não conhece, não foi apresentado ao livro como objeto cultural.
Pode também ocorrer de o bebê, ao “pegar de qualquer jeito”, amassar, sacudir, virar, rasgar, jogar fora, afastar, descartar, abandonar, guardar na embalagem. Ao tentar olhar e ou folhear, se ainda não sabe ou não consegue, pode acontecer dele folhear de “atrás para frente”, ou pegar várias páginas ao mesmo tempo, folheando “a grosso modo”.
São índicios de que ao bebê, ainda não foram disponibilizados os rudimentos do comportamento leitor, atitudes prévias e imprescindíveis para a alfabetização literária, que ocorre entre zero e onze anos.
Entre os bebês que já foram apresentados ao livro como objeto central da cultura escrita, as atitudes são diferentes e, de forma mais intensa, também manifestam seu repertório de informações sobre o livro, a leitura e a literatura.
Entre as evidências do comportamento adquirido – quando o bebê indica perceber os ritos no trato com o livro – pude observar que o bebê costuma folhear e ajudar o adulto a folhear.
Quando este está lendo, ouve com atenção. Se lhe é oportunizado, segura sozinho o livro, imitando a ação do adulto. Quando permitem, escolhe o que quer que leiam, abre, observa, fecha, troca, guarda. Eventualmente, reclama se o livro se fecha e comemora ter encontrado algo conhecido em alguma página ou capa.
Ao apontar o livro ou imagens nele, indica ao adulto que o livro está danificado (riscado, rasgado, amassado), responde a perguntas olhando e/ou apontando para imagens ou cenas ou escritos, e balbuciar, exclamar, por a mão na cabeça e “ler” em voz alta, com entonação, são alguns dos indícios de que o bebê sabe claramente quais os ritos esperados quando objeto em interação é o livro.
Percebi que alguns bebês estranham quando o livro é desconhecido, mas podem comparar, descartar, fechar ou devolver ao dono, se não querem a interação com aquele livro, por exemplo.
Procedimentos para produzir um repertório literário para bebês.
A “apresentação” do livro e de “ritos do ler” dá início à formação do leitor literário já na primeiríssima infância, nem sempre oportunizada no ambiente familiar, devendo necessariamente ocorrer na escola. No processo, a escolha criteriosa de livros e a integração dos bebês ao comportamento leitor são preponderantes.
Para que tenhamos disponível um repertório a oferecer, é importante se cercar de narativas familares que prepararam a chegada deste bebvê ao mundo. Assim, as primeiras história e serem narradas, oralmente, ao bebê, são as que integram a sua vida. Logo depois, deve-se agregar a essas, as dos demais sujeitos que habitam o seu mundo: irmãos, avós, tiso e tias, pai e mão, biológicos ou não.
Os livros - de todos os gêneros - podem ser apresentados desde sempre e logo que o bebê fique ereto em seu colo, coloque a sua fente, um livo aberto. Contenha o bebê com teu braço esquerdo e leia para ele, deleitando-se também com o que vê, conhece e sente.
Pronto.
É assim que se inicia.
Depois disso, amplie e diversifique seu acervo.
Não esqueça dos ritos, tão importantes qando os conteúdos literários neste momento: olhar, escolher, folhear, ler, observar, discriminar, evidenciar, relacionar, cuidar, fechar, guardar. Todas essas pr´ticas integrama formação do leitor desde a primeiríssima infância e logo, logo, o pequenois terá seus prediletos. 

Repertório e Acervo: indispensáveis


Cristina MAria Rosa

Um dos temas centrais da disciplina optativa Literatura Infantil I é a semelhança e as possíveis diferenças que existem entre os termos “repertório” e “acervo” literário. São duas palavras importantes que agregam valor ao conhecimento prévio que todos devemos ter quando se busca aprofundar saberes no campo da leitura literária na escola.
Mas, o que é repertório? E acervo?
Acervo e repertório, inicialmente apresentam uma semelhança: os dois termos referem-se a “um grupo de”. No entanto, é nas suas diferenças que reside os atributos mais delineadores de cada um dos termos. Enquanto acervo pode significar “grupo selecionado para a um fim” ou, “conjunto alocado em um local fixo ou digital” e ainda “coleção de uma pessoa ou local”, repertório é mais amplo e pode ultrapassar a memória do portador, uma vez que não é preciso "ter" para conhecer.
Aqui neste pequeno texto, no entanto, estou tratando de acervo e repertório literário. E a pergunta a ser respondida é: O que é acervo e repertório literário?
Para iniciar a pensar na resposta a esta questão, é interessante lembrar que cada um de nós tem um grupo de informações literárias. Um conjunto de lembranças sobre momentos com os livros que, não raro, iniciaram na infância e se perpetuaram.
A Fada dos Moranguinhos, meu primeiro livro, a audição de histórias na escola aos cinco anos, um grupo de livro que eu nao podia tocar, a mãe lendo uma carta vinda da itália, o pai trazendo um exemplar de presente, são algumas das minhas memória e integram o meu repertório de informações sobre o livro e a leitura, seu significado e permanência na cultura escrita de minha família.
É esse conjunto único, repleto de emoções e informações que tornam livros, autores, tramas, desfechos, gêneros – um grupo, portanto – os nossos "prediletos" e se cristalizam como o nosso repertório.
Ele, o repertório, é aprimorado com ritos, modos, jeitos de ter e manipular os livros.
Incrementado com dados sobre o valor social desta ou daquela obra.
Acrescido da rede de relações que o conhecimento de uma obra/autor/gênero gera entre a comunidade de leitores.
E se torna pleno quando oportuniza “dobrar-se sobre si mesmo e estabelecer uma prosa entre o real e o idealizado” (Bartolomeu Campos de Queirós. Manifesto por um Brasil Literário, 2009).
Repertório
É um grupo de informações literárias único, formado ao longo do tempo em que herdamos, produzimos e utilizamos informações, emoções, memórias, palavras, inventos. Isso é repertório.
Repertório, então, é o grupo de emoções e informações literárias que acumulamos ao longo da vida e que dão sentido ao que chamamos “literatura em minha vida”.
No dicionário
No dicionário, repertório significa “conjunto, índice, aglomerado, coletânea, compilação, coleção, grupo de saberes sobre algo”. Mas também, “conjunto de experiências de vida que cada um de nós possui”. No caso de repertório literário, é o conjunto de experiências literárias que temos e consideramos importantes, imprescindíveis para o letramento.
Assim, desde o primeiro contato com o livro e seu significado até a escolha por gêneros e autores prediletos há um longo processo de alimentação do que se conhece por repertório. Ele é infinito, nem sempre passível de ser descrito, mas reverbera em nossa vida para sempre. Importante antes, durante e posteriormente à escola.
Acervo, por sua vez, abarca o grupo de obras que um sujeito (uma pessoa ou sua família, por exemplo) ou local – livraria, sebo, biblioteca, entre outros – possui. É um grupo nomeado, quase sempre organizado, que integra a biblioteca de alguém ou de um local como escolas e universidades. Pode ser real (material, impresso, físico) ou virtual, quando só está disponível para consulta online.
E pode ainda ser representado por um catálogo de uma editora, um grupo de obras referentes a um tema, as referências utilizadas em um  trabalho científico. O acerco refere-se a um grupo delimitado, finito, que tem regras de uso e acesso, que pode se modificar infinitamente em termos de quantidade e que pode ser acessado por todos, idealmente, ao mesmo tempo.
Um acervo literário pessoal é composto por obras escolhidas, dentro de um recorte temporal, e pode ser completado por herdeiros, ou seja, acrescido de outras obras, infinitamente. Assim, agrega-se ao recebido, modos de uso como ler, conhecer, escolher, guardar, preservar e, muitas vezes, ampliar, doar, selecionar, catralogar...
Ao lidar com um acervo, demando atributos do repertório literário que tenho – os modos de ter e manter, por exemplo – para utilizálo. Nele, uma obra levada para casa – comprada ou roubada de um sebo, biblioteca, livraria ou casa de alguém – assinala o pertencimento ao repertório de histórias que me encantam.

Alfabeteando...

Um "Alfabeto à parte" foi criado em setembro de 2008 e tem como objetivo discutir a leitura e a literatura na escola. Nele disponibilizo o que penso, estudos sobre documentos raros e meus contos, além de uma lista do que gosto de ler. Alguns momentos importantes estão aqui. 2013 – Publicação dos estudos sobre o Abecedário Ilustrado Meu ABC, de Erico Verissimo, publicado pelas Oficinas Gráficas da Livraria do Globo em 1936; 2015 – Inauguração da Sala de Leitura Erico Verissimo, na FaE/UFPel; 2016 – Restauro e ambientação da Biblioteca na Escola Fernando Treptow, inaugurada em 25 de novembro; 2017 – Escrita da Biografia literária de João Bez Batti, a partir de relatos pessoais. Bilíngue – português e italiano – tornou-se um E-Book; 2018 – Feira do Livro com Anna Claudia Ramos (http://annaclaudiaramos.com.br/). 2019 – Produção de Íris e a Beterraba, um livro digital ilustrado por crianças; 2020 – Produção de Uma quarentena de Receitas, um livro criado para comemorar a vida; 2021 – Ruas Rosas e Um abraço e um chá, duas produções com a UNAPI; 2022 – Inicio de Pesquisa de Pós-Doutorado em acervos universitários. Foco: Há livros literários para crianças que abordem o ECA? 2023 – Tragicamente obsoletos: Publicação de um catálogo com livros para a infância.

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